9/06/2005

MANGUEIRA 2006

Talvez de todas as escolas do Grupo Especial a que eu tenha acompanhado com mais proximidade nos últimos três anos é a Mangueira. Por mero acaso ou ainda por motivos que escapem aos estritamente musicais, já que musicalmente a escola me interessa muito pouco, muito menos do que uma Beija-Flor ou uma Tijuca. Ainda assim, dentro do estilo conservador característico da escola, consegue surgir um samba arrebatador como o do Lequinho para 2003, ou o do Cadu para 2005. Ambos perderam, evidentemente, para sambas muito piores.

Mas a safra de 2006, ao contrário do que venho ouvindo por aí, é a melhor em muito tempo na escola. Não que tenha nenhum samba maravilhoso, mas o que impressiona é o equilíbrio. Pelo menos quatro sambas de equivalem e têm totais possibilidades de representar bem a escola na Avenida: são os sambas i) de Lequinho e Amendoim; ii) do BiraShow; iii) do Gilson Bernini; iv) do Rafael dos Santos. Este ano um tradicional finalista (chegou à final nas últimas cinco disputas, ganhando uma delas, na sua quarta final) não inscreveu samba: a parceria de Cadu, o que deixa uma grande lacuna para a competição.

Além dos quatro, outros sambas vêm tendo uma contribuição importante na disputa. Em especial, destacam-se os sambas do Rubens e do Rody, por sua proposta de resgatar um samba típico da escola do final dos anos 70, apesar de seu viés nitidamente passadista. O samba do Bizuca, que tenta inserir quebras melódicas e rítmicas mais ousadas para a escola, apesar de não conseguir manter seu equilíbrio, tem seus momentos especialmente no miolo da primeira parte. O de Jorge Moreira e seu sedutor refrão do meio. O equilibrado samba de Celso Tropical (e seu discreto mas eficiente crescendo na segunda parte), que pelo segundo ano consecutivo vem fazendo sambas coerentes e corretos na Mangueira, embora sem empolgar.

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Lequinho e Amendoim comprovam seu estilo melódico, alegre, atento às necessidades atuais do samba-enredo, mas querendo dar sua contribuição na possibilidade de inserir um maior fôlego nos nuances de melodia e ritmo. Este samba tenta ser uma síntese das participações da dupla ao longo das últimas disputas da Mangueira: o “samba de emoção” que arrebatou a torcida em 2002, o “samba de invenção” com suas variações melódicas e rítmicas de 2003, o “samba de resultado” de 2005. Encurralados entre seu projeto pessoal e as necessidades pragmáticas da disputa, a dupla tentou nesse samba uma espécie de meio-termo, mas de qualquer forma o samba é muito melhor que o burocrático samba do ano anterior. Ainda que esbarre no tradicional calcanhar-de-aquiles da dupla (os problemas de letra, especialmente relativos à repetição de palavras), o samba para 2006 exala a energia tradicional dos sambas da parceria, no vigoroso crescendo do refrão do meio, na ousadia dos três refrões. Sua habilidade em compor variações melódicas de forma articulada pode ser vista, em seu mais alto nível, no refrão final, com o verso “a fonte da vida esperança nos dá”. A alegria no percurso pelo Rio São Francisco e a generosidade do olhar da dupla lembram a poesia do samba de 2004, que mal chegou à final. Uma espécie de síntese que mostra a coerência da dupla de compositores.

Depois de uma pausa em 2005, a parceria de Bira Show volta à disputa na Mangueira com um samba swingado repleto de maias-pausas e de modulações melódicas típicas do samba anterior. Herdeiros de uma samba-enredo mais tradicional, este samba é o único que segue a linha deixada pela parceria do Cadu, embora o Bira tenha sido na verdade um dos maiores críticos do desempenho do samba vencedor em 2004. O equilíbrio, o bom gosto da letra (sem dúvida a melhor letra entre os sambas concorrentes), o esmero pelo polimento das arestas, a dedicação às meias pausas e ao ritmo que tende ao mais cadenciado credenciam o samba como um dos mais típicos do estilo melodioso da Mangueira. Os autores também se destacam por terem feito uma leitura bastante particular do enredo, íntima e ligeiramente melancólica (“vinho pra esquentar o coração” ou os contornos da melodia “Eh! Violeiro/ Violeiro,cantador”).

O samba de Rafael dos Santos (que integrou a parceira do Cadu em 2005) e parceiros possui um olhar diverso, atípico da Mangueira: um samba menos cadenciado e mais próprio para a disputa. Com isso, surge como azarão, quase como o samba do Lequinho em 2002. No entanto, o samba é bem articulado, a letra não é pequena (como por exemplo o do Bizuca), possui um refrão do meio envolvente e algumas pequenas quebras de ritmo bem eficientes (o tom baixo do início da segunda parte e a crescida após “tem manga no pé”). A segunda parte do samba surpreende e mostra que o samba não é mero “arroz de festa”: conjuga seu olhar por um samba mais leve e de empolgação sem perder a coerência. Um azarão que merece ser observado mais atentamente do que vem sendo comentado e que pode surpreender na reta final. E que cumpre um papel importante, mostrando um estilo diferente de samba-enredo dos demais competidores.
Por fim, o samba de Gilson Bernini, um velho conhecido da escola, por ter ganhado várias disputas com a parceria de Clovis Pê e Marcelo D´Aguiã (outro que sumiu das disputas). Bernini, que adaptou seu estilo “moleque” dos sambas do Jacarezinho (“olha o Pluft aqui, olha o Pluft ali”) para uma melodia balanceada, mais adequada para o estilo da Mangueira, comprova seu olhar pela melodia, com contornos melódicos atípicos que são retomados com diversos paralelismos entre os refrões e as duas partes do samba. Destaca-se também a poesia do início da segunda parte. Trechos de grande inventividade melódica como “A carranca da Mangueira vai passar”, “E tem manga sem fiapo pra saborear” e “Banhou de fé o coração” mostram o estilo característico e a visão de samba-enredo do compositor.