9/10/2009

Mangueira 2010

Uma das maiores graças do jeito que a Mangueira organizou sua seletiva de sambas é tentar adivinhar as parcerias que compuseram cada samba. Isso é interessante, pois em certa medida isso já se verifica em todas as escolas, inclusive aquelas que divulgam os autores. Isso porque na maior parte dos sambas, feitos pelos escritórios, aqueles que assinam os sambas são meros “laranjas”, sendo que temos que adivinhar os verdadeiros autores, e daí surgem as especulações e as insinuações dos amigos mais bem informados que dizem que o samba tal é do escritório de fulano, e etc, etc, que já virou a regra das eliminatórias de samba-enredo.


Mas a forma radical como a Mangueira organizou isso – impedindo a divulgação dos autores – só confirma o mais do mesmo: são os mesmos compositores de sempre que vão caminhando para a final, mas ao mesmo tempo a diretoria deixa um ou outro cabeça de bagre claramente só para fazer uma média e dizer que todos têm a chance de chegar “quase” lá – o “quase” aqui é fundamental.


Dito isso, e ouvindo os seis sambas finalistas, digo que apenas dois têm alguma condição de se sagrarem campeões: são os sambas de número 1 e o de número 3. Aparentemente são de dois fortes escritórios do samba, o que confirma que esse tal anonimato não contribuiu de fato para uma democratização da escolha do samba, mas ao contrário, para uma legitimação dos mesmos.


Ouvindo o samba 1 realmente me deu mais uma vez a impressão de ser do Lequinho. É curioso saber que não é ele o autor (dizem as boas informadas e infiltradas fontes...). É uma beleza de samba em termos de letra e melodia. Dificilmente outra escola terá um samba tão leve e ao mesmo tempo tão refinado. O curioso é que o principal concorrente do Lequinho parece ter bebido na fonte original do seu rival: o samba tem um refinamento de letra e melodia típico dos sambas que o Lequinho conquistou na Mangueira, com um refrão forte e “pegado”, marca recente da escola. Há até a repetição de palavras no refrão principal “Chegou, a Mangueira chegou”, presente em quase todos os sambas do Lequinho. Balanços de melodia típicos como “De norte a sul viajei com a melodia” ou mesmo “Vem me trazer a canção”. Fora as comparações, uma leitura leve, fácil e bem criativa do enredo. Grande letra. Trocadilhos funcionais. O refrão do meio é uma beleza. A letra no final da segunda parte é bastante poética, sugestiva e bem construída ("O sol nascerá", as cortinas irão se fechar / "Folhas secas" virão e o show vai continuar). Meu único porém é que diversos versos são muito longos e a melodia, embora bastante criativa, possa "embolar", dificultando o canto.


O samba 3 tem uma melodia criativa, refinada, mas acho mais irregular, menos leve, menos a cara da Mangueira. Sabendo que este sim é do Lequinho, tendo a achar que teve a participação decisiva do Gustttavo (parece que eles estão compondo juntos). Por oputro lado, há recursos que me lembram muito dos sambas do André Diniz e do pessoal da Vila (em termos de melodia): “POETAS IMORTAIS, ARTISTAS GENIAIS”, “ESCOLA DE VIDA, EXEMPLO DE AMOR” ou mesmo “A LETRA ENCONTRA A MELODIA”, “CAMINHANDO CONTRA O VENTO”. Gosto bastante da segunda parte O samba cresce muito na segunda metade da segunda parte (a partir do “no ar”), tendo uma melodia num crescendo bonito e bem arranjado, com emoção, a cara da escola. Pelos “contornos sinuosos” lembra (muito mal comparando) o samba da manga de 93. Mas a primeira parte é irregular, com trechos desencaixados, atípicos do estilo da escola.


Em relação ao samba 5 acho que a Mangueira já passou desse tipo de samba, que é sem duvida mais leve mas bem menos refinado. A Mangueira conseguiu no final dos anos noventa uma sofisticação visual que não mais cabe esse tipo de samba. Sem duvida empolga mas é menos consistente. Mas pode ser que o Ivo queira uma reviravolta, resgatar um estilo “mais popular” (diria “popularesco”) e dialogar com certos segmentos da escola, mas musicalmente não há dúvida que escolhendo esse samba a Mangueira volta muito atrás. De qualquer forma, é bom saber que um veterano da escola está voltando a fazer sambas, entrando na disputa.


Os outros sambas, foram uma ou outra passagem, são bem menos interessantes. Dois sambas bons é pouco para uma escola da envergadura da Mangueira, e mostram que a "abertura" promovida pelo presidente Ivo Meireles não teve efeitos práticos concretos.