4/14/2009

Amendoim e Lequinho - Mangueira 2004

Comentários antigos sobre o samba de Amendoim e Lequinho na Mangueira em 2004. Na disputa, perderam para o "Trem Bão" de Cadu e Gabriel e parceiros.


Se a principal característica do samba-enredo dos anos noventa é ter redescoberto o significado das pausas, e a Beija-Flor ter sido a escola que no final da década explorou ao máximo suas potencialidades, é justamente um ex-compositor da Beija-Flor que busca um novo fôlego para a idéia das pausas, uma espécie de "contra-senso" que acaba por confirmar a regra. Amendoim e seu parceiro Lequinho continuam a trilha de experimentação melódica do belíssimo samba do ano anterior no samba proposto para o Carnaval de 2004. Ainda que com resultados não tão satisfatórios quanto os do ano anterior, comprovam que é o único samba com uma proposta de linguagem na atual safra de samba-enredo da Mangueira.

O melhor exemplo do estilo de experimentação proposta com o samba está nos versos :

"Vou buscar por essas trilhas
Histórias que contam a riqueza das minas
E decantar os seus ideais"

A melodia dos versos quebra o sentido tradicional das pausas, inserindo uma nova idéia de ritmo, rompendo mesmo com a idéia do verso, quando o terceiro verso subitamente irrompe do segundo. Em seguida, em "os seus ideais", vemos a criativa quebra melódica típica do samba do ano anterior.

Da mesma forma, na segunda parte, a junção dos versos numa nova idéia de ritmo, além da referência ao mais famoso samba de Cartola:

"Sinto no ar o perfume que as rosas
Roubam de ti, me fazendo sonhar"

A última sílaba não fecha melodicamente o verso, deixando-o em aberto, lembrando o recurso do fim da primeira parte do samba de 2003 ("Anunciando o libertador"). Com isso, acaba sendo um belo recurso para introduzir a parte mais lírica do samba, que começa logo a seguir.

Ou ainda logo no início do samba:

"No garimpo o ouro que peneiro
É Verde e Rosa"

Esses três exemplos comprovam o que está em jogo no esforço de experimentação da dupla: colocar em xeque a valorização das pausas típica dos sambas-enredo atuais. Indagar se até que ponto este jogo é bem-sucedido se torna questão segunda ante ao reconhecimento de uma proposta original de construção.

O trecho final da primeira parte reforça de outra forma a experimentação melódica, desta vez exatamente com uma pausa (após "as belezas"), inserindo uma quebra melódica:

"Transformando em poesia
As belezas de Minas Gerais"

Nos seis versos finais, o samba faz um admirável retorno, como típico samba mangueirense, para uma melodia de contornos mais líricos e sem as quebras rítmicas e melódicas dos trechos anteriores. O lirismo da melodia e a idéia das pausas retornam em versos como "Minas..." ou ainda em "Mangueira sonha acordada". O efeito do "retorno ao lirismo" como forma de fechamento do samba é na verdade o mesmo do samba de 2003, a partir dos versos "Brasil, terra sagrada és a nova Canaã".