2/16/2009

Viradouro 2003

Texto sobre o samba do Gilberto Gomes e Gustttavo na Viradouro em 2003, um belíssimo samba, o último grande samba da parceria.

Viradouro 2003

Há sambas que são tão singelos que quase impedem que sejam cantados. Esse é o caso do samba da Viradouro deste ano. A melodia é um acalanto: ficamos estáticos, boquiabertos, não conseguimos cantar ou sambar. Apenas deixamos que um arrepio de alma prossiga conosco. É um samba que nos deixa completamente impotentes, porque só nos resta ouvir: é quase como receber uma prece. É também um samba de homenagem, e é tudo o que uma homenagem pode ser: um abraço afetuoso, uma palavra de carinho. Depois de dois sambas de grande rigor formal e força inventiva, a dupla de compositores Gilberto Gomes e Gustavo, agora hexacampeões pela escola, se rendeu ao enredo, curvou-se à relevância da homenagem. Todo o criterioso trabalho labiríntico de construção formal típico da dupla se rendeu à supremacia da melodia, à necessidade do samba também ser um ato de devoção e não apenas de construção. Com isso, a dupla parece ter avançado doze vidas, com a consciência da necessidade de uma revolução dentro da revolução. É esta afetividade respeitosa que o torna uma das obras de maior maturidade do Carnaval dos últimos tempos. É revelar-se profundamente humano; é colocar todo um trabalho formidável de criação, um esforço tamanho de composição muito abaixo de seu tema, muito aquém do que o Carnaval pode despertar nas pessoas que o vivem. É por meio deste exercício de humildade que a dupla de compositores, agora com o apoio dos novos parceiros, atingiu o que parecia impossível dadas as suas composições anteriores: compor o samba como um ato de um desnudamento.

Marcelo Ikeda.