2/16/2009

Mocidade 2003

Os sambas-cartilha de Santana e Ricardo Simpatia

Depois dos enredos sobre a paz universal e cia. e da façanha de realizar um dos enredos mais impensáveis da história do Carnaval - a doação de órgãos - a Mocidade resolve fazer uma campanha contra os acidentes de trânsito, chegando inclusive ao descalabro de usar a figura de Ayrton Senna para mostrar ao povo como a alta velocidade provoca vítimas. Em prol do politicamente correto e das campanhas de utilidade pública, a Mocidade com estes dois enredos está para o que foi a Beija-Flor no início dos anos setenta, com seus enredos sobre o Mobral e o Brasil do ano 2000.

A síntese do discurso reacionário, burocrático e didático que busca a Mocidade está nos sambas de Santana e Ricardo Simpatia. Se em Villa Lobos, a dupla ainda consegue instantes de poesia, apesar de irregular, o novo discurso da escola parece ter se encaixado à perfeição no estilo dos compositores. Recheado de imperativos categóricos, permeado de acordes evangélicos que remetem a uma idéia de limite tênue entre vida e morte e de um sentido de missão/redenção, a dupla de compositores parece querer inaugurar uma nova linha - melódica e estilística - na safra de sambas-de-enredo atuais: o samba-cartilha. Torna-se assim pior que os referidos sambas da Beija-Flor, já que estes apenas descreviam as "glórias do Governo", enquanto os da dupla não apenas descrevem, mas sugerem que quem ouça passe a ter um certo tipo de padrão de comportamento. Se pensarmos que o Carnaval é por excelência a época da "inversão", da saudosa malandragem, da revisão dos padrões politicamente corretos, da critica aos costumes, o Carnaval da Mocidade pode ser considerado o "anti-Carnaval", e a verdade é que os sambas de Santana e Ricardo Simpatia são o hino perfeito para esse Carnaval possível: didáticos, burocráticos, reacionários.