Grupo B 2004 - esboço
Grupo B
O simples fato de o CD do Grupo B 2004 existir já é um feito a ser comemorado, ainda mais a partir da lacuna de 2003, em que o CD não foi lançado. A “festa” só não é completa, porque duas escolas estão fora do CD: Renascer e Villa Rica (sendo que não me foi possível ter acesso ao samba desta última)
Vizinha Faladeira
Se os sambas de invenção pós anos 90 propunham uma ampliação das convenções rítmicas dos sambas dos anos 80, sempre persistiu uma certa saudade, uma nostalgia de um período de notável popularização de tais convenções. Neste sentido, este samba da Vizinha Faladeira para o Carnaval de 2004 talvez seja uma das mais notáveis tentativas de resgate a uma visão de samba-enredo. Para tanto, o fator primordial é o tom narrativo do enredo, que descreve a conhecida e popular história da bela adormecida – entrando em diálogo com o solitário título da escola no longínquo carnaval de 1934, sobre a Branca de Neve e os sete anões. Esse diálogo do enredo (que só foi possível devido ao mote das “reedições”, que acabou encontrando sua ressonância particular também no Grupo B) portanto ganhou uma analogia com o samba-enredo, numa analogia entre o musical e o visual que se encontra seu encaixe mais adequado numa estrutura de Grupo B, por excelência, distante da “espetacularização” dos desfiles do Grupo Especial.
Mas se é o tom popular e especialmente o aspecto narrativo do enredo que permitiram aos compositores construir essa ponte com uma visão de anos oitenta (vejam o formato típico do refrão do meio), o samba é maior que simples revisitação nostálgica. Na sua simplicidade e objetividade de estrutura, surge uma leitura do conto infantil com inegável brilho e destreza. A sabedoria dos autores foi enxergar o conto como uma luta entre o bem o mal, preenchendo toda a narrativa com um tom místico ameno mas bastante atento aos detalhes, sem nenhum termo supérfluo (note a predominância dos substantivos em relação aos adjetivos). Versos com enorme poder de síntese e poesia (“até que o príncipe guerreiro / na floresta fez da lenda uma missão”, “do beijo nobre renasce a vida”) dão o tom de bom gosto e discreto refinamento que dominam todo o samba.
Mas por fim o samba se revela com uma luz especial no admirável refrão final. Após a narrativa épica da bruxa versus a fada, ou do príncipe versus o dragão, ou, em última instância, do bem versus o mal, as trevas, o sono sucumbem ante a luz, o amor. O refrão final, num recurso típico de uma ópera, evoca essa glorificação do bem ante o mal, com um símbolo de paz. E como, em termos narrativos, isso poderia ser expresso? Ora, através do nascimento de uma criança, dando continuidade ao reino, à paz, à vida. É somente isto o que está em jogo nesta fábula moral.
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