2/16/2009

Sambas 2009

Portela 2009

O samba da Portela, fato comum aos últimos sambas do Junior Escafura, prima pela precisão, pelo acabamento. Não tem um único defeito: descreve o enredo com precisão, tem variações melódicas adequadas, pausas para o canto ("Liberdade"), momentosl evemente acelerados para mesclar o ritmo. Tudo com extremo bom gosto, trabalhado com enorme cuidado. Nisso lembra a linha dos sambas do Cadu e Gabriel. Soluções de letra de grande elegância e poder de síntese ("Das trevas renasce o amor", "palácio da saudade"), uma variação rítmica de inventividade ("São vinte e uma estrelas que brilham no meu olhar - Se eu for falar da Portela não vou terminar" quando os versos são estruturados num ritmo que dá uma idéia de enumeração longa, isto é "são muitos títulos e há tanto a se falar sobre a Portela…").

Tudo perfeito, tudo de muito bom gosto. Só tem um detalhe: acontece que o enredo fala de amor, e o amor (para mim pelo menos) é risco, é entrega, é paixão, é algo que não tem medidas, é desmedido, desmesurado. E esse samba da Portela é tudo, menos um samba apaixonado pela possibilidade de abrir seu coração (o que no fundo, diga-se de passagem, é a essência do samba). Ou seja, um samba técnico, frio, extremamente correto e preciso para falar de um sentimento como o amor.

Viradouro 2009

Eu gostei do samba da Viradouro, que tem a cara dos sambas do Flavinho Machado, especialmente pelo "tom afro" de parte do enredo. Falando em enredo, é ótimo ver o Milton Cunha de volta mas sinceramente achei o enredo um tanto maionésico, misturando o tema afro com um tom ecológico meio institucional sobre a Bahia.

O ponto forte do samba são os dois refrões, em que o samba explode, com uma melodia irresistível (Um dia oxalá iluminou), apesar de um pouco deja vu em relação a outros sambas da dupla. Gostei especialmente do refrão do meio, que talvez seja o refrão mais bonito do Carnaval.

A primeira parte tem um ritmo gostoso e suave, típica dos sambas da parceria. Mas a segunda parte é irregular, até um final que chega a ser de mau gosto, pois o samba embola e a própria melodia vai pro espaço ("A água deixa o céu e se abraça com o chão - Renova a energia sob as bençãos de um trovão - Vermelho e branco que paixão"). Além disso, tenho dúvidas se a letra consegue descrever todo o enredo, especialmente em toda essa parte técnica, podendo perder pontos por isso.


Tijuca 2009

Não consigo ver no samba da Tijuca tudo isso que muita gente está dizendo. Acho um samba mais do mesmo. Consigo ver méritos na primeira parte, na melodia e em dois versos que eu gosto bastante, porque tem uma poesia simples (O meu Borel visto de cima é mais bonito - eu vou alçar ao espaço). O refrão do meio também tem momentos de singeleza.

Mas a segunda parte eu acho meio fraca, especialmente o verso (De heróis das estrelas, um céu). Acho que é um samba bom pro desfile, especialmente pro desfile leve e irreverrente da Tijuca, mas em termos de samba-enredo em nada acrescenta.

Além disso, acho MUITO triste que os compositores se dediquem mais à "filial" do que à "matriz", dados os bons resultados da Tijuca recentes (i.e mais chances de voltar às campeãs e receber mais grana…).


Mangueira 2009

O Lequinho está estabelecendo um novo ritmo, uma "nova cara" (colocando nos termos do enredo) aos sambas da Mangueira: ao invés do samba cadenciado, melódico, da emoção dos sambas típicos do Hélio Turco, agora a Mangueira entra na era do samba competitivo. De indiscutível primor melódico e em termos de letra, o samba da Mangueira é guerreiro, como "a cara da escola" de agora, mas falta a sofisticação, a inovação, o tom surpreendente de alguns dos sambas do Lequinho que tanto fazem falta. Aqui há uma única passagem (Cada lágrima que já rolou - Fertilizou a esperança - Da nossa gente valeu a pena). Ainda assim, é incrível como o Lequinho consegue moldar uma energia para o samba, recurso que esbarra na marcha ou mesmo no jingle, mas que ele consegue trabalhar com um certo bom gosto, trazendo um certo "axé", uma "pegada" para o samba ("valeu a pena", "sou povo, sou raça", "sou a cara do povo"). Recursos que são a síntese do que se busca para o samba da Mangueira, que eu particularmente começo a torcer o nariz, embora reconheça sua eficiência. O cuidado em compor as parcerias e moldar alianças também tem se mostrado a marca do Lequinho na Mangueira, no aperfeiçoamento desse "estilo competitivo" que é principalmente a luta da escolha do samba na quadra, especialmente numa escola tão competitiva (e política) quanto a Mangueira, mas é curioso percebermos que a mudança dessas parcerias pouco alterou o seu caminho particular em termos da sua visão de samba-enredo.