Birashow - Mangueira 2004
mais comentários sobre sambas da Mangueira na disputa em 2004. Agora sobre o belo refrão final do samba do Birashow, que agora na gestão Ivo Meirelles, acredito que deva voltar a fazer sambas.
"Tô encantado com Minas Gerais
O Eldorado que me traz felicidade
Tempero bom que não me esqueço mais
Vou para Mangueira pra matar minha saudade"
Outro acontecimento na Mangueira esse ano foi esse refrão do samba de Birashow e parceiros. O grande salto desse refrão é traduzir uma idéia de intimidade através de uma noção de melodia e ritmo. Como é possível trazer uma idéia de mineiridade para a estrutura de um samba? É no sentimento dessa "mineirice" que o refrão avança, com uma idéia de sinestesia: a partir da melodia, o samba transcende seus limites, e é quase possível sentir o cheiro e o paladar particulares de uma terra distante (no "tempero bom").
A seguir, o samba insere uma idéia fundamental, afastando-se completamente do domínio do samba descritivo ou do refrão-empolgação para tornar-se um "refrão-de-essência": a de memória ("que não me esqueço mais"). Termina, enfim, com um verso de objetividade incalculável, de apelo irresistível: "Vou pra Mangueira pra matar minha saudade". A saudade de Minas, i.e do Eldorado, do tempero e do cheiro da terra, é presentificada, a partir de uma distância, através da homenagem da Mangueira. A homenagem se revela o refúgio possível, a única forma de matar uma saudade. Assim, o samba atinge outras proporções, se pensarmos que os cantos de lamento africanos eram um refúgio de memória de sua terra natal, na essência da formação do samba e do samba-de-enredo. Em primeira pessoa, o narrador se torna um escravo, lembrando ao longe de sua liberdade. Seu canto é um canto de lamento; a melodia se revela melancólica. A Mangueira é seu abrigo, é uma "imagem", representação possível, fuga pessoal, transe momentâneo, de sua alienação física e temporal, mas nunca espiritual.
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