4/20/2009

imperdível!!!

Extraordinária iniciativa de Ricardo Delezcluze, Chico Frotta e Marcello Sudoh: colocar na net os sambas do Grupo de Acesso de 2008, em especial os dos grupos C, D e E (RJ 2, 3 e 4), completamente fora da mídia.
http://cdacesso.weebly.com/index.html

4/15/2009

Mocidade 2008

- Obra-prima:

1- Mocidade

Para quem já teve dois anos seguidos de Santana e Simpatia, o samba da Mocidade é um milagre, uma benção. E é a coisa mais linda do mundo, porque é um samba que bebe na fonte do maior compositor da Mocidade, o Mestre Toco. Depois de décadas perdendo na disputa sempre com os melhores sambas (i.e os mais ousados, os mais apaixonados, os mais visionários, etc.), Toco finalmente voltou a vencer na Mocidade, mas teve seu samba completamente desfigurado em 2006 e fez um de seus sambas mais fracos em 2007. Agora sim em 2008, seu parceiro Marquinho Marino (com a ajuda do Igor Leal, que já tinha feito belos sambas na Beija-Flor) fez um samba digno das antologias da Mocidade. Samba de melodia original, de letra descritiva mas poética, que foge totalmente das fórmulas, chavões ou frases de efeito, o samba da Mocidade é um milagre, especialmente na segunda metade da segunda parte: mitos, crenças, guerreiros se confundem como se fossem uma visão, com uma melodia que vai crescendo, crescendo, até engasgar na garganta (=emoção, construção, devoção), e, claro, "no peito uma estrela a brilhar", porque como o refrão final coloca, esse samba é acima de tudo um apelo ao espírito guerreiro da Mocidade nessa época de vacas magras para a escola, ou seja, um grande hino, uma grande declamação de amor à Mocidade, ou seja, um samba que tiraria um sorriso de canto de boca do Mestre Toco.

4/14/2009

Birashow - Mangueira 2004

mais comentários sobre sambas da Mangueira na disputa em 2004. Agora sobre o belo refrão final do samba do Birashow, que agora na gestão Ivo Meirelles, acredito que deva voltar a fazer sambas.


"Tô encantado com Minas Gerais
O Eldorado que me traz felicidade
Tempero bom que não me esqueço mais
Vou para Mangueira pra matar minha saudade"

Outro acontecimento na Mangueira esse ano foi esse refrão do samba de Birashow e parceiros. O grande salto desse refrão é traduzir uma idéia de intimidade através de uma noção de melodia e ritmo. Como é possível trazer uma idéia de mineiridade para a estrutura de um samba? É no sentimento dessa "mineirice" que o refrão avança, com uma idéia de sinestesia: a partir da melodia, o samba transcende seus limites, e é quase possível sentir o cheiro e o paladar particulares de uma terra distante (no "tempero bom").

A seguir, o samba insere uma idéia fundamental, afastando-se completamente do domínio do samba descritivo ou do refrão-empolgação para tornar-se um "refrão-de-essência": a de memória ("que não me esqueço mais"). Termina, enfim, com um verso de objetividade incalculável, de apelo irresistível: "Vou pra Mangueira pra matar minha saudade". A saudade de Minas, i.e do Eldorado, do tempero e do cheiro da terra, é presentificada, a partir de uma distância, através da homenagem da Mangueira. A homenagem se revela o refúgio possível, a única forma de matar uma saudade. Assim, o samba atinge outras proporções, se pensarmos que os cantos de lamento africanos eram um refúgio de memória de sua terra natal, na essência da formação do samba e do samba-de-enredo. Em primeira pessoa, o narrador se torna um escravo, lembrando ao longe de sua liberdade. Seu canto é um canto de lamento; a melodia se revela melancólica. A Mangueira é seu abrigo, é uma "imagem", representação possível, fuga pessoal, transe momentâneo, de sua alienação física e temporal, mas nunca espiritual.

Amendoim e Lequinho - Mangueira 2004

Comentários antigos sobre o samba de Amendoim e Lequinho na Mangueira em 2004. Na disputa, perderam para o "Trem Bão" de Cadu e Gabriel e parceiros.


Se a principal característica do samba-enredo dos anos noventa é ter redescoberto o significado das pausas, e a Beija-Flor ter sido a escola que no final da década explorou ao máximo suas potencialidades, é justamente um ex-compositor da Beija-Flor que busca um novo fôlego para a idéia das pausas, uma espécie de "contra-senso" que acaba por confirmar a regra. Amendoim e seu parceiro Lequinho continuam a trilha de experimentação melódica do belíssimo samba do ano anterior no samba proposto para o Carnaval de 2004. Ainda que com resultados não tão satisfatórios quanto os do ano anterior, comprovam que é o único samba com uma proposta de linguagem na atual safra de samba-enredo da Mangueira.

O melhor exemplo do estilo de experimentação proposta com o samba está nos versos :

"Vou buscar por essas trilhas
Histórias que contam a riqueza das minas
E decantar os seus ideais"

A melodia dos versos quebra o sentido tradicional das pausas, inserindo uma nova idéia de ritmo, rompendo mesmo com a idéia do verso, quando o terceiro verso subitamente irrompe do segundo. Em seguida, em "os seus ideais", vemos a criativa quebra melódica típica do samba do ano anterior.

Da mesma forma, na segunda parte, a junção dos versos numa nova idéia de ritmo, além da referência ao mais famoso samba de Cartola:

"Sinto no ar o perfume que as rosas
Roubam de ti, me fazendo sonhar"

A última sílaba não fecha melodicamente o verso, deixando-o em aberto, lembrando o recurso do fim da primeira parte do samba de 2003 ("Anunciando o libertador"). Com isso, acaba sendo um belo recurso para introduzir a parte mais lírica do samba, que começa logo a seguir.

Ou ainda logo no início do samba:

"No garimpo o ouro que peneiro
É Verde e Rosa"

Esses três exemplos comprovam o que está em jogo no esforço de experimentação da dupla: colocar em xeque a valorização das pausas típica dos sambas-enredo atuais. Indagar se até que ponto este jogo é bem-sucedido se torna questão segunda ante ao reconhecimento de uma proposta original de construção.

O trecho final da primeira parte reforça de outra forma a experimentação melódica, desta vez exatamente com uma pausa (após "as belezas"), inserindo uma quebra melódica:

"Transformando em poesia
As belezas de Minas Gerais"

Nos seis versos finais, o samba faz um admirável retorno, como típico samba mangueirense, para uma melodia de contornos mais líricos e sem as quebras rítmicas e melódicas dos trechos anteriores. O lirismo da melodia e a idéia das pausas retornam em versos como "Minas..." ou ainda em "Mangueira sonha acordada". O efeito do "retorno ao lirismo" como forma de fechamento do samba é na verdade o mesmo do samba de 2003, a partir dos versos "Brasil, terra sagrada és a nova Canaã".

25 motivos para se lembrar do Carnaval 2004 :

mais Carnaval de 2004...



25 motivos para se lembrar do Carnaval 2004 :

1 - O samba de Jacarepaguá, a nova Aquarela Carioca
2 - A Avenida coberta por um mar imperiano
3 - Dodô como legítima rainha de bateria da Portela
4 - O desfile visionário de Paulo Barros
5 - O samba do Império Serrano, a eterna Aquarela Brasileira
6 - O carro da "lua apaixonada chorou tanto" na Portela ...
7 - Clóvis Bornay, de volta à frente da Portela, após trinta e tantos anos
8 - A segunda Comissão de Frente da Portela, tradicional, atrás da Comissão de Frente "oficial"
9 - O abre-alas da Tradição, com as letras PORTELA que subiam ...
10 - O carro do DNA da Unidos da Tijuca
11 - A comissão de frente carnavalesca e irreverente da Imperatriz Leopoldinense
12 - O carro do dragão soltando fogo da Vizinha Faladeira
13 - A volta da Unidos de Lucas à Sapucaí
14 - A "água que lava minha alma" do desfile da Beija-Flor
15 - Tahiana Pagung
16 - A pista de autorama em forma de infinito, no último carro do Salgueiro
17 - A volta de uma São Clemente irreverente
18 - O preciosismo acabamento da Santa Cruz
19 - A alegria de Adelaide Chiozzo no desfile da Ilha
20 - Maria Augusta, homenageada a frente da Arranco
21 - A procissão de fé a frente da Viradouro
22 - O show de interpretação de Clóvis Pê na Lins Imperial
23 - Jamelão, que contrariando todas as expectativas, cantou bravamente o samba de sua Mangueira
24 - Os tombos de Cláudia Raia em plena Sapucaí
25 - A ressurreição esfuziante da Vila Isabel

Dois Sonhos e mais alguns outros

mais um texto antigo sobre o antológico desfile do Paulo Barros em 2004. O segundo exemplo a que me refiro é o fato de o compositor Cadu ganhar a disputa de sambas-enredo na Mangueira após a sua quarta final consecutiva. Eu acompanhei o processo de forma íntima porque fiz um documentário sobre o dia dessa quarta final, intitulado TESOURO DO SAMBA. (Nota em 14.04.09)



Dois Sonhos e mais alguns outros

Este Carnaval de 2004 ficará na história por vários motivos, que nem cabe enumerar aqui. Mas, acima de tudo, este carnaval ficará na história da MINHA vida por um motivo muito simples: foi neste Carnaval em que, através de dois exemplos concretos, eu tive a certeza de que ainda vale a pena lutar pelos nossos sonhos, e que, por mais impossíveis que possam parecer, eles podem SIM se transformar em realidade, com dedicação, paixão e perseverança.

Paulo Barros foi a prova disso. Só foi escolhido pela Tijuca porque a escola estava no fundo do poço, cotadíssima para ser rebaixada, a quadra há muito tempo não se via tão às moscas. Não havia dinheiro; não havia motivação das pessoas. Mas tudo isso era secundário: ele tinha um sonho, e fez esse Carnaval como se fosse o último, e concentrou todas as suas energias no que era seu objetivo último. O tema de seu Carnaval foi exatamente este: como o (louco) artista luta por um sonho que a todos parece impossível, e como esse sonho está intimamente ligado ao próprio dia-a-dia do processo da criação. Lembro que muitos chegaram a rir, a caçoar, do refrão final da escola que falava do sonho da Tijuca em ser campeã do Carnaval. Mesmo com um desfile acima de tudo "anti-tecnicista", o vice-campeonato, na frente das poderosas Mangueira e Imperatriz, calou todos os possíveis críticos. Quem agora há de duvidar na possibilidade de um sonho?

Sobre o segundo exemplo, que inclusive acompanhei de forma mais íntima, eu me calo, porque já falei o suficiente, porque aqui não é lugar para confissões. Três ou quatro amigos aqui da lista devem suspeitar do que digo.

Pra quem tem um sonho, por menor que seja, este Carnaval teve um sentido.

Dois Paulos

um texto antigo sobre a ascensão de Paulo Barros e seu antologico desfile de 2004...


Dois Paulos

Este Carnaval de 2004 foi marcado por duas visões, por dois Paulos. Suas semelhanças, suas diferenças, suas respectivas reações a um senso de oportunidade refletem não só o que é o Carnaval, mas nos dizem do que é feita a vida...

O primeiro Paulo, o Paulo Barros, lutou por um sonho. Há anos e anos nos grupos de acesso, finalmente teve a oportunidade de assumir o carnaval de uma escola do Grupo Especial. As condições, no entanto, não eram as melhores, mas tudo isso lhe pareceu secundário. Tudo o que lhe era desfavorável foi transformado em virtude, em fermento para o desabrochar de seu processo criativo. Seu enredo falava exatamente isso: da ligação íntima entre o sonho e o processo da criação. O enredo que aparentemente tinha uma abordagem "tecnicista" e descritiva teve uma leitura absolutamente íntima e metafísica. Não é a partir de uma fissura ou de uma oposição, mas exatamente através de uma conjunção, entre realidade e fantasia, entre o sonho intangível do artista visionário e a concreta rotina que envolve os afazeres diários do processo de criação, que Paulo Barros fez um exame sutil e contundente das falsas contradições que envolvem o Carnaval de hoje, ou ainda da necessidade de o Carnaval de hoje resgatar a possibilidade do sonho.

Enquanto o primeiro Paulo fez das dificuldades matéria-prima para seu Carnaval do sonho, o segundo Paulo, o Paulo Menezes o utilizou como subterfúgio, como sinal de impossibilidade. Muito havia de se esperar do Carnaval da Ilha deste ano, em que o tema da Atlântida representava toda uma busca por um carnaval autenticamente insulano, um resgate ao espírito típico da escola. Mas na verdade o mote "com dinheiro ou sem dinheiro eu também brinco", acabou servindo como uma "desculpa", ou como mero sinal de conformismo, para uma total falta de ousadia e de criatividade.